Apocalipse
(06/05/2003)
Então, eu vi o caos
abocanhando o tempo.
E de suas presas
exalava o fétido odor de nossos corpos
putrefatos, em
deterioração, em estado de decomposição,
decompondo a música
que embalou o berço de Adão.
E de inopino, surgiu
dos mares a corrupção.
E com sua mão
direita deitava ao solo as sementes
da discórdia e da
ignorância, da miséria e da estupidez.
Sem que qualquer
lição nos fosse profícua, em vão
os pregadores
gastavam suas gargantas em praças públicas.
Antes o apelo de
Castro Alves: a praça é do povo!
Pelos intricados
labirintos urbanos revestidos
do negro manto
asfáltico eu vi, recuados aos muros,
os corpos
esparramados e as mãos a implorar a esmola.
Meu Deus! Não deste
nem a Dante e nem a Kafka
tão tétrica e
esdrúxula imaginação e a mim, que nem nome
tenho de meu, senão
emprestado, a mim escolheste de profeta
gago e tímido, para
denunciar tamanha imoralidade?
Se detrás dos ternos
e paletós importados e alinhados
escondem-se a
dissimulação e a hipocrisia, a intolerância...
Em quem confiar?
Asmodeu era mais previsível.
Este discurso não é
pretensioso. Não se quer mudar nada.
Apenas é o anúncio.
É a voz do arauto ecoando no vale:
O amanhã será
construído de forma diferente,
ou não haverá sol
para iluminar o céu de amanhã.
Arena
(06/03/2001)
Múltiplos olhares.
Das órbitas oculares
Um planeta habitado
Por sonhos e ilusões.
Da janela dos lábios
Um beijo proibido
Encontra o calçamento
Da antiga praça,
Palco das tragédias
E comédias pouco gregas.
Um urbanauta se esvaece,
Evapora em mil partículas
Incrustadas nos detalhes
Da fachada da Catedral.
Nem a timidez do sol
O dispensa do testemunho
De nossos pequenos pecados
O cheiro explícito, sexo implícito.
Sob os olhares confusos
Do alto da torre do relógio
A sombra da cruz se reflete
impressa nas pedras do pavimento
Da antiga (renovada) praça.
Beatnick
(28/11/1999)
Ouço uma música
É um jazz, blues ou samba?
Não sei.
A música não tem língua
Mas tem cor: é negra
E traz nas frases mudas
O lamento da história
Na esquina, sob a luz néon
Está Kerouac, sentado.
Além, pela calçada caminha
displicente Ginsberg
Ao meu lado, Noel Rosa.
Peço carona?
Estou preso na cela de carne
Há quem se admire de sua cela
A advertência de Eclesiastes:
Tudo é vaidade.
Se houvesse escolha
Teria nascido álcool
Evaporaria, antes de morrer
Sensação de liberdade
(ou embriaguês?)
Por estar disperso em milhares
De partículas por todo o ar.
Ubiqüidade.
Bela
(08/06/2001)
Você é a mais bela
De todas as belezas
Que tingiram meus olhos
Seus cabelos têm o valor
Dos Jardins Suspensos da Babilônia
Em perfume, graça e altivez
Sua boca é como o Rio Amazonas
A me afogar de afagos
Suas pernas, perfeitas
São obras únicas e inigualáveis
Como o planeta Terra
Eu magneticamente giro,
Rodopio e me arrepio
Em torno de você, meu Sol
A luz da minha vida.
Cães
Vadios
(19/10/2002)
Uivam os cães vadios
guiados pelo cheiro entorpecente
da cadela no cio.
E a lua passeia pelo globo
enquanto os medos despertos
procuram pelos homens adormecidos.
Eu sou um cão vadio
perdido nas esquinas escuras.
Sou a mensagem em spray
maculando a alvura dos muros
e a brisa que beija
todas as bocas indiscriminadamente.
Eu só desejo o desejo
de continuar sendo um cão vadio,
perdido nas infinitas possibilidades
das ruas, esquinas e cruzamentos.
Caos Urbano
(01/09/2000)
Sirenes alucinantes
Luzes no asfalto molhado
Gado humano caminhando
Para o abate diário
Reféns do próprio ego
Proclamam-se reis,
Monarcas de sua estupidez.
Pregações e pregões
Vendem tudo...liquidação
O paraíso em três vezes
Sem juros, juro por Deus
Corremos em círculo
Fugindo da sombra
Medo, pânico, muito pânico
Muito pano para a manga
Soldados desfilam
Sobre os cadáveres
Dos que lutam pela vida
Acuados nos becos, nas marquises,
Nas pontes, nos túneis.
Chaminés, escapamentos, fossas nasais
De todos os buracos brotam fumaça
Fome, muita fome de tudo
As pessoas fogem aos olhares
E são muitos os olhos
O anti-sonho psicodélico
Cristalizado em concreto
Campo de batalha, caos urbano.
Dentes de Patife
(1993)
Vou vomitar toda a poluição
Que vocês me obrigam
A engolir diariamente
Vou jogar fora minha televisão
Essa escravista, controladora
De nossa mente,
Enquanto você despreocupado
Mastiga o seu bife
Com seus dentes de patife!
Hai Cai (I)
(29/08/2000)
Estrela cadente
Lágrimas nos olhos
Solidão, cena urbana.
Hai Cai (I)
(29/08/2000)
Confinada numa
Masmorra escura
Alma
purga o pecado.
Poesia Engajada
(25/01/2001)
A minha
poesia não alcança
Os
ouvidos dos oprimidos
Nem
sequer é degustada
Pelo
paladar dos famintos
E nem
por sonho ou fantasia
É
sentida pelos excluídos
A minha
poesia, então, morreu
E
esqueceram de enterrá-la.
Serca Seca
(15/07/2003)
Ao amigo e
cineasta Flávio Alves, por sua coragem
expressa no
filme “Serca Seca”.
Cuidado, homem
há cerca no sertão
e quem não conhece a
vida
não vê a amplidão
só conhece a cerca
que seca a visão.
Cuidado, mulher
a flor no chão caída
que a sua vida dono
tem
mas o espinho e a
ferida
e o amargo da bebida
é assinada por
ninguém.
Serca seca, seca a
boca.
a vida que foi
inglória
a lágrima que não
lavou
a mácula da história
a saga do nordestino
em busca da memória.
Sonho
(11/11/1999)
O
vento tocou os cabelos
Da
prostituta
Deixando-os revoltos
E
ela sonhou que fossem
Os
afagos de uma mão.
Um Minuto
(14/06/2000)
A
fome,
Silenciosa,
Matou
O
artista
Em
um minuto.
Um
minuto de silêncio
Para o artista.
A
fome,
Silenciosa,
Matou
A
criança
Em
um minuto.
Um
minuto de silêncio
Para a criança.
A
fome,
Silenciosa,
Matou
O
idealista
Em
um minuto.
Um
minuto de silêncio
Para o idealista.
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