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Quem é negro no Brasil?

Ademir Barros dos Santos*

Quem é negro no Brasil?

Esta a impertinente pergunta que mais se faz em qualquer discussão sobre ações afirmativas em nosso país.

Quem é negro no Brasil? Paralisados pela busca incabida da resposta, nenhuma atitude séria é tomada - porque, para distribuir-se corretamente as ações voltadas aos negros, é necessário, no mínimo, saber quem são eles, evitando distorções.

A resposta, porém, é complicada: o Brasil tem, aproximadamente, quarenta por cento de sua população composta por mestiços; que são negros não tão negros assim.

Daí que é difícil reconhecer o negro que não é negro, porque mulato claro; e se for tão claro que precise provar que é negro para que os não negros se convençam?

Vamos por partes. Em primeiro lugar, o que é negro?

Os que têm a pele preta, é claro. Mas, e os outros, que também descendem de brancos... ou não poderiam ser mulatos?

Ora, as estatísticas que informam que a população brasileira comporta 45% de negros, não perguntam, a ninguém, se é negro ou não! Perguntam, apenas, pela cor ou raça, que já vem pré-dividida em preta, parda, branca, amarela e índia! Assim sendo, a definição de negro não é estatística: é social. São os intérpretes que, unindo pardos a pretos, totalizam em negros as duas cores apontadas.

Porém, cabe registrar: nem sempre foi assim; "negro", nos começos do Brasil, indicava tanto africanos quanto índios, então chamados "negros da terra"; negro, àquela época, significava não branco - população que podia ser conquistada!

Depois, acabaram-se os índios; só sobraram africanos, únicos conquistáveis então possíveis. Por isso, é deles que provêm os negros atuais.

No momento seguinte, dos constantes estupros praticados por donos de escravos, apareceram mestiços branco-preto, hoje conhecidos por mulatos - cujo nome é, seguramente, pejorativo: por força de cientificismos assentados em nada, deduziu-se que o filho de branco com preta seria, necessariamente, estéril, como o são os asnos e as mulas, filhos de burro com égua! De mula a mulato, foi um pulo só...

Essa nova gente, mistura de senzala com instintos animais, causou problemas sérios de classificação: o norte-americano só vê, além do índio, o branco e o negro, aqui incluindo os mulatos; na África do Sul, o mestiço é o colored que, assim como os negros, não alcança posições sociais, já que carrega o sangue escuro, mesmo quando não carrega o preto da pele.

A América Latina vê de outra forma o mestiço; aqui, o que importa é a cor, não a ascendência em si; daí o problema, já que o mestiço destila todo o mosaico marrom que cabe entre o preto e o branco...!

Porém, não deixa de ser assustador – para os brancos, é claro – o que a ciência pesquisa e informa: 60% dos brancos brasileiros têm, por antepassada, alguma ameríndia; ou alguma africana! Ou seja: sessenta por cento da branquitude nacional seria negra nos Estados Unidos; ou meramente colored, na África do Sul!

Assim olhada, a ação afirmativa brasileira, quando busca enfocar afrodescendentes, se torna, no mínimo, inócua: se 45% da população já se reconhece descendente de escravos, e 60% dos restantes também o são, nosso povo comporta 78% de mestiços – e aí, não há ação afirmativa que dê jeito! Além do que, afrodescendente significa, apenas, descendente de africano. Ou seja: o filho de qualquer africano, por afrodescendente, pode reunir condições suficientes para enquadrar-se nas ações afirmativas brasileiras!

Portanto, a pergunta "quem é negro no Brasil" é, no mínimo, impertinente; e qualquer resposta é errada! O que torna forçoso admitir: exigir prova de negritude de qualquer sujeito brasileiro, é pura perda de tempo; é atirar intelectualidades ao lixo; é desgastar argumentos fortemente assentados no nada.

Daí que o caminho é outro. A pergunta, também: para as ações afirmativas brasileiras, deve bastar a autodeclaração para que o autodeclarante se enquadre como negro? Deve sim, senhor! Isso porque as estatísticas que apontam a população negra como base, insossa e inodora, de nosso torto edifício social, também foram apuradas por autodeclaração!

Portanto, desclassificar o critério de auto-enquadramento na cor enquanto procedimento válido para a admissão do preto ou pardo como afrodescendente, equivale a desclassificar as estatísticas que, a fórceps, arrancaram as próprias ações afirmativas da usura governamental...

Então, não há solução? Há – e não é tão difícil assim!

Em primeiro lugar, nossas ações afirmativas não buscam promover apenas negros a posições sociais mais elevadas, não! O que se busca é o esvaziamento da base social - onde os negros autodeclarados se encontram, em posição de inconteste maioria!

Daí que a pergunta chave é: o sujeito está na base social em função das exclusões arraigadas na sociedade nacional? Como resposta, a própria história de vida serve.

Como decorrência, apenas quando a resposta vier a ser positiva - e apenas neste caso – cabe - unicamente para fins de eventual desempate -, conhecer a origem do pretenso candidato a qualquer programa de ações afirmativas voltado ao afrodescendente.

Por que, afinal, qualquer brasileiro pode, hoje, ser negro; ou sentir-se como tal.

Não só porque efetivamente o seja. Mas porque ser negro, no Brasil de hoje, deixou de ser, apenas, ter a pele escura.

Ser negro, no Brasil de hoje, é sentimento; é, mais que tudo, exaltado estado de espírito.

* Ademir Barros dos Santos é coordenador da Câmara de Preservação Cultural do Núcleo de Cultura Afro-Brasileira – NUCAB – da Universidade de Sorocaba – UNISO.

 
 
 
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