CENTRO CULTURAL QUILOMBINHO

 
 
 
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ENTÃO, ACABOU...!

Ed Mulato

Percebeu, pelo olhar maroto, que outra vez ela vinha, doce, aninhar-se a seus pés. Parou simplesmente; esperou; ela, se quisesse vir, viria; e só.

Adivinhou, mais do que sentiu, o conhecido frisson que se achegava acarinhando suas pernas, já tão cansadas de tanto correr.

.. e ela achegou-se; como sempre mansa, com o ar maroto de quem bem sabe o que é querer bem. Ele, nem sorrir, sorriu: sabia que ela, que somente ela, dali em diante, tudo comandaria, dirigindo seus passos pelos estranhos e tortos caminhos que levam ao destino que buscou na vida. Conformou-se, e foi feliz. Sim, estava feliz.

Serelepe, ela pulou; de seu pé direito deu um salto lindo, como fosse uma borboleta leve; raspando quase o cabelo adversário, conduziu-lhe o corpo adiante, sempre adiante, sempre adiante...

Então, mansa como um gato, escorregou-se pela ponta da chuteira, desvendando caminhos novos pelo labirinto do entre-pernas do primeiro que se apresentou... e ele a viu, carente, já parada ali, na área. Marota, ela o chamou para travessuras novas - embora antes já vividas.

Como nada ele lhe negava, simplesmente a empurrou para o canto que ela mesma havia, de antemão, escolhido; saltitante, ela correu, rente ao chão, para aninhar-se em paz nos braços de sua amiga rede que, irônica como sempre, soltou seu inconfundível e longo chuááá quando, feliz, a acolheu em suas malhas mansas.

Sentiu então, caindo na área, que novo e estranho frisson explodia em seu pé, subindo célere por toda a sua perna de apoio... e percebeu, junto ao povo que lotava o estádio, que toda a alegria do mundo partia dele; e dele só: era de seu pé que partia a luz do Sol, que ilumina o mundo.

Ainda em meio ao grito longo da galera, enlouquecida numa estranha dança nova, quase tribal, distinguiu o grito doce, manso, muito amado:

- É meu filho! É do meu filho lindo este gol incrível! É do meu filho incrível este gol mais lindo! Ele é meu filho! É ele o homem-gol! É ele, que é meu filho, o homem do gol!

Leve, o som se amansa; meio cansado, baixa o tom; é quase se arrastando, em sussurros, que escorrega e continua:

- Filho, filho... - sente o beijo manso; entrega-se ao cafuné gostoso...

- Filho. É seu café...!

Então, entre as últimas sombras do sono insano, percebe o esforço imenso que fazia a mãe, ao esconder, à força, atrás do sorriso amarelado e torto, a tristeza espalhada no rosto, que se disfarçava, entre lágrimas, no brilho opaco do olhar perdido.

... e notou, dissolvido ali, no gesso que lhe fixava a perna e o tornozelo partido, misturando-se à fumaça que subia do copo ali ao lado... seu sonho de bola... que também se esfumava em nada... e que naquele exato momento, então, acabou...!

julho, 2002

 
 
 
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