História 24

 

Ezequiel Freire (1874)

                                                   Lenda

Conta a legenda que o sacy nascera dos amores de um sapo e de uma freira, teve um irmão mais velho --- o lobis-homem--- e casou-se ao depois com uma pisadeira.

 

Híbrido ser, biparte-se em dois entes de humanas formas e feição estranha; tostou-se outrora no brasido (sabem?) dos olhos lindos de uma linda entanha.

 

Foi desgraçado,muito;a mão furada e a dolorosa amputação de um pé,deram- lhe jus às lágrimas do próximo como o alcunha lhe dão de Saterê.

 

Unípede e zarolho, o vagabundo mofa das Leis e zomba da Moral; ruim esposo, ruim filho, ruim católico, mau cidadão, mau guarda-nacional.

 

Ei-lo o assunto dos serões roceiros, o misterioso hóspede do lar; na pito-

resca lenda das senzalas--- o gênio mau da crença popular.

 

 

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Nas noites sem luar nas horas mortas, quando a lareira não tem mais gra-

vetos, e é tudo escuridão pelas senzalas, e só se ouve o ressonar dos pre-

tos; surge d’além das bandas da tapera, cavalgando um corcel de taquari,

o pavoroso espectro, das madornas, o herói das sextas-feiras --- o sacy.

 

Traja quimão de baetilha escura, carapuça em funil --- hirta e vermelha;

guarda na destra as rédeas de tábua e a ponta do cigarro ---atrás da orelha.

 

Entra de manso pelo vão das portas e se anima no bojo d’ um pilão;espia

o rosto das cansados negros; se ninguém vela, salta logo ao chão, vai ao

cinzeiro do borralho extinto; soa um leve rumor daí a pouco : --- é a cinza

a cair como garoa nos olhos do moleque dorminhoco.

 

No outro dia , bem cedo, o toque d’ alva chama a gente do eito pro tereiro; mas ninguém surge dos quietos fechos, nenhum moleque quer sair primeiro, e do feitor ao retumbante berro faz coro a exclamação de medo : Ih ! Ih !

 

Opina um grupo: foi zumbi que veio; responde um outro grupo: --- foi sacy !

 

Leitor, se eu prego petas, se mentiroso sou, se verdadeiro; se é falsa a minha história, dirá a memória dos belos tempos do viver roceiro.

 

 

Nota: Extraído do livro : `Flores do Campo´(1874)  - ( Typ. Hildebrand - Rua da Alfândega, 87 – RJ)

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PS: Ezequiel usava `Saterê´ ao invés de `Pererê´ como atualmente conhecido.

 

pisadeira : substantivo feminino

Rubrica: etnografia. Regionalismo: Brasil.

figura imaginária representada por uma velha magra e feia que desce do telhado e vem sentar no peito das crianças que choram

 

brasido : substantivo masculino

grande quantidade de brasas (em lareira, incêndio etc.); braseiro

 

 mofa: n substantivo feminino

      ato de mofar; troça, zombaria

 

quimão: substantivo masculino

Rubrica: vestuário.

m.q. quimono ('túnica')

 

baetilha: substantivo feminino

Rubrica: indústria têxtil.

tecido de lã ou algodão, mais fino que a baeta, com pêlo em uma das faces somente

 

madorna: mq: modorra

substantivo feminino

1     sonolência causada por certos tipos de doença

2     Derivação: por extensão de sentido.

desejo irresistível de dormir, ainda que não provocado por doença

 

 peta : substantivo feminino

  mentira, fraude

 

borralho: substantivo masculino

  cinzas quentes com algumas brasas vivas; borralha

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OBS:

É voz corrente de que foi o ilustre escritor e intelectual Monteiro Lobato quem introduziu o mito popular do `Saci Pererê´ em nossa literatura folclórica...!
  No entanto, em 1874, Ezequiel já falava nessa lenda popular, quando Lobato não tinha tampouco nascido, pois Lobato veio ao mundo em 1882.
Quem sabe Ezequiel foi o grande  `muso - inspirador´ de Lobato...!
PS: Desculpe-me pelo neologismo acima grifado...!
 

         J.E.O.BRUNO SP, 01/11/07

 




                            Biografia 
 

 

José Ezequiel Freire de Lima

 

Ezequiel Freire, foi dos mais belos espíritos que o Brasil literário  produziu, foi sem dúvida, o poeta das “Flores do Campo”, que mereceu  de Machado de Assis referências e elogios em artigo de crítica literária, que o inolvidável mestre  publicou então sobre  a  nova gente que surgia no mundo das letras.

José Ezequiel Freire de Lima, nasceu no dia 10 de abril 1850, na fazenda 'Boa Vista', em Sant'Ana dos Tócos, município de Resende, Estado do Rio de Janeiro. Filho do Capitão Antônio Diogo Barbosa Lima e de D. Maria Chrispiniana Barbosa Freire, neto paterno de Diogo Barbosa Lima e de D.Ana Soares da Silva, neto materno do Comendador José Manoel Freire e de D.Maria da Silva Soares. O seu bisavô Manoel Freire de Campos, tronco da família Freire,de Resende, era natural de Piracicaba, SP.

Iniciou-se como cronista e poeta em jornais e revistas fluminenses e cariocas. Em São Paulo, bacharelou-se em Direito, dedicou-se à magistratura, sendo inicialmente Juiz de Direito em Araras. Na capital, dedicou-se ao magistério no curso anexo da Faculdade de Direito.  

Precursor do `Simbolismo´, graças ao livro 'Flores do Campo'(1874), prefaceado por Narcisa Amália, seu grande amor na juventude.

Ezequiel Freire, é Patrono da cadeira n. 20  da 'Academia Paulista de Letras' desde a sua fundação em 1909.Também é patrono da 'Academia Fluminense de Letras'. Era um publicista de  alto mérito. Resende no século XIX, foi um viveiro de espíritos de larga envergadura, tais como; Luiz Murat(fundador da Cadeira n.: 1 da Academia Brasileira de Letras) Luiz Pistarini, Narcisa Amália e, dentre os mais ilustres,José  Ezequiel Freire de Lima, que, apesar deu sua breve existência, exerceu grande influência no pensamento brasileiro de seu tempo e deixou profundamente assinalada a sua personalidade literária, social e política.

Foi um autêntico e espontâneo poeta, e um escritor de aptidões multiformes. Mas tanto no verso, como na prosa, manifestou um profundo senso de nosso meio e um intrépido amor às nossas realidades. Rompendo com a obra de imaginação do romantismo e do lirismo, que dominavam em seus dias, ele embebeu-se no seio de nossa terra e de nossa gente e colocou, no fundo de todas as suas produções, temas e motivos nacionalistas, integrando-se nos problemas ambientes, neles tomando posição definida e própria e combatendo pelos seus ideais através de suas crônicas, de seus contos, de seus artigos de doutrina, de sua crítica e de seus versos. O 'Correio Paulistano' foi o órgão de imprensa em que mais assiduamente e demoradamente exerceu a sua atividade, com o brilho de seu estilo fluente e escorreito. Escreveu também para 'Província de São Paulo', para o 'Diário Popular', em São Paulo, e para a 'Gazeta de Notícias' e outros grandes órgãos, no Rio.

Assinava também com freqüência  variados trabalhos nas principais revistas do país.

Quer como poeta, que estrelou com as primeiras de suas'Flores do Campo', que mereceu de Machado de Assis referências e elogios em artigo de crítica literária, que o inolvidável mestre publicou então sobre a nova gente que surgia no mundo das letras, quer como prosador, sua obra foi eminentemente construtiva, pelo espírito nacionalista que lhe constituiu o alicerce e que dele fez uma individualidade definitiva e própria.

Quando analisava, em estrofes vibrantes, a nódoa da escravidão, era para edificar a economia da nação nas bases do trabalho livre; e quando se batia contra as  instituições monárquicas, era para fortalecer a nossa formação política com o cimento aglutinante das nossas liberdades, fundamentais. Foi um semeador de grandes sentimentos e grandes idéias. foi dos mais belos espíritos que o Brasil literário produziu.

Ezequiel Freire, foi comparado pelo grande poeta da língua portuguesa, Ramalho Ortigão, a 'Tourgueneff' e 'Tolstoi', pela intensidade do colorido e pela vibração do sentimento local recordados pelo trechos da obra desses escritores russos , sobre a vida rústica dos campos da Rússia no tempo czaristas. 


Pelo colorido de sua capacidade descritiva e pela beleza de sua forma literária, as suas produções marcaram uma época de elevação mental. Depois de seu passamento, foram agrupados em um volume, intitulado 'Livro Póstumo' muitos de seus contos e de suas crônicas e de suas críticas, que o ilustre poeta paulista Wenceslau de Queiroz prefaciou, em 1910.

São, porém, apenas algumas centelhas e jóias de seu acervo literário, que um dia ainda será reunido em um só corpo, dentro da unidade de seu pensamento nacionalista, de que foi um ilustre precursor em nossa literatura.

 

Seu  excepcional conto, “Pedro Gobá”,  foi  considerado  um  clássico  sobre o  período abominável da escravatura em nosso país.

Vivia recluso na sua mansão da Rua da Consolação,em São Paulo, entre poucos amigos, um jardim no qual aclimatava plantas exóticas, vasta biblioteca e peças de arte oriental.  

Nos pulmões a doença fatal. Aos 41 anos, pressentindo a morte, foi para o interior, a procura de um clima mais salubre para a sua doença .Faleceu  a 14 de novembro de 1891, em Caçapava/SP, onde está enterrado. Em 1910 foi editado o seu `Livro Póstumo´de contos e crônicas.
 

Biografia :

http://www.genealogiafreire.com.br/ef_ezequiel_freire_index.htm

Pedro Gobá :

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000092.pdf

 

Ezequiel Freire e sua grandiosa obra literária:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_autor=67
 
Crítica de Machado de Assis sobre Ezequiel Freire:
'A poesia do Sr. Ezequiel Freire não tem só o lirismo pessoal, — traz uma nota de humorismo e de sátira; e é por essa última parte que o podemos ligar ao Sr. Artur Azevedo. As `Flores do Campo´, volume de versos dado em 1874, tiveram a boa fortuna de trazer um prefácio devido à pena delicada e fina de D. Narcisa Amália, essa jovem e bela poetisa, que há anos aguçou a nossa curiosidade com um livro de versos, e recolheu-se depois à turris eburnea da vida doméstica.   Resende é a pátria de ambos; além dessa afinidade, temos a da poesia, que em suas partes mais íntimas e do coração, é a mesma. Naturalmente, a simpatia da escritora vai de preferência às composições que mais lhe quadram à própria índole, e, no nosso caso, basta conhecer a que lhe arranca maior aplauso, para adivinhar todas as delicadezas da mulher. Dona Narcisa Amália aprova sem reserva os 'Escravos no Eito', página da roça, quadro em que o poeta lança a piedade de seus versos sobre o padecimento dos cativos. Não se limita a aplaudi-lo, subscreve a composição. Eu, pela minha parte, subscrevo o louvor; creio também que essa composição resume o quadro. A pintura é viva e crua; o verso cheio e enérgico. A invectiva que forma a segunda parte seria, porém, mais enérgica,  se o poeta no-la desse menos extensa; mas há ali um sentimento real de comiseração. Notam-se no livro do Sr. Ezequiel Freire outros quadros da roça. 'Na Roça' é o próprio título de uma das paginas mais interessantes; é uma descrição da casa do poeta à beira do terreiro, entre moitas de pita, com seu teto de sapé; fora, o tico-tico remexe no farelo, e o gurundi salta na grumixama;  nada falta, nem o mugir do gado nem os jogos dos moleques:

O gado muge no curral extenso;
Um grupo de moleques doutra banda
Brinca o tempo-será; vêm vindo as aves
Do parapeito rente da varanda. No carreador de além, que atalha a mata,
Ouvem-se notas de canção magoada.
Ai! sorrisos do céu — das roceirinhas!
Ai! cantigas de amor — do camarada!

Nada falta; ou falta só uma coisa, que é tudo; falta certa moça que um dia se foi para a corte. Essa ausência completa tão bem o quadro que mais parece inventada para o efeito poético. E creio que sim. Não se combinam tão tristes saudades, com o pico final:

Ó gentes que morais aí na corte,
Sabei que vivo aqui como um lagarto.
Ó ventos que passais, contai à moça
Que há duas camas no meu pobre quarto...

'Lúcia', que se faz Lucíola, é também um quadro da roça, em que há toques menos felizes; é uma simples história narrada pelo poeta. Mais ainda que na outra, há nessa composição a nota viva e gaiata, que nem sempre serve a temperar a melancolia do assunto. Já disse que o Sr. Ezequiel Freire tem a corda humorística; a terceira parte é toda uma coleção de poesia em que o humorismo traz a ponta aguçada pela sátira. Gosto menos desta última parte que das duas primeiras; nem os assuntos são interessantes, nem às vezes claros, o que de algum modo é explicado por esta frase da poetisa resendense: 'A sátira, sendo quase sempre alusiva, faz-se obscura para os que não gozam a intimidade do poeta'. Em tal caso, devia o poeta eliminá-la. Também o estilo está longe de competir com o do resto do volume, que aliás não é perfeito. Certamente é correntio e bem trabalhado, o 'José de Arimatéia', por exemplo, anúncio de um gato fugido; mas que diferença entre essa página e a do 'Nevoeiro'! Não é que não haja lugar para o riso, mormente em livro tão pessoal às vezes; mas o melhor que há no riso é a espontaneidade.

Não sei se escreveu mais versos o Sr. Ezequiel Freire; é de supor que sim, e é de lastimar que não. Ignoro também que influência terá tido nele o espírito que parece animar a geração a que pertence; mas não há temeridade em crer que o autor das Flores do Campo siga o caminho dos Srs. Afonso Celso Júnior, Lúcio de Mendonça, e Teófilo Dias,  que também deram as suas primeiras flores.

Se no Sr. Ezequiel Freire não há vestígio de tendência nova, menos a iremos achar no Sr. Artur Azevedo, que é puramente satírico......'
 

http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/BT4522147.html#[5]%20A%20NOVA'
 
 

Luiz Murat:
http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=87


Narcisa Amália :

http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/catalogo/narcisa_sobre.html
 


 
CRONOLOGIA  DE EZEQUIEL FREIRE :
1850 - Nasce no dia 10 de abril, na fazenda 'Boa Vista', em Sant'Ana dos Tócos, município de Resende, Estado do Rio de Janeiro. Filho do Capitão Antônio Diogo Barbosa Lima e de D.Maria Chrispiniana Barbosa Freire, neto paterno de Diogo Barbosa Lima e de D.Ana Soares da Silva, neto materno do Comendador José Manoel Freire e de D.Maria da Silva Soares. O seu bisavô Manoel Freire de Campos, tronco da família Freire,de Resende, era natural de Piracicaba, SP.
 

1869 - Colabora no 'Astro Resendense', de Resende, com poesias e crônicas, de 1869 a 1873.

1870 - Publica poesias no 'O Mosquito', revista carioca, de 1870 a 1873.

1871 - Matricula-se na Escola Militar, no Rio de Janeiro,e, depois, na Escola Politécnica do Rio de Janeiro.

1874 - Publica as 'Flores do Campo', livro de poesias.

1875 - Em 18 de maio, casa-se em São Paulo com D.Maria Adelaide de Araújo, filha do Dr.Luiz José Ferreira de Araújo e de D. Joaquina Angélica da Silva Araújo, neta paterna de Antônio José Ferreira de Araújo e de D.Francisca Rosa do Amor Divino, neta materna de José Manoel da Silva (Barão do Tietê) e D.Maria Reducinda da Cunha e Silva ( Baronesa do Tietê).

1876 - Matricula-se na Faculdade de Direito de São Paulo,formando-se em 1880.

1876 - Faz parte da redação da 'Consciência', de São Paulo,jornal acadêmico, com Afonso Celso Junior, Alberto Fialho, Carlos Ferreira França, Fernando Cunha Filho e Magalhães Castro. O primeiro número é de 6 de abril de 1876. Faz parte da redação da 'Tribuna Liberal', de São Paulo, folha política, literária e noticiosa, com o Dr. Bento Francisco de Paula Souza.O primeiro número foi publicado em 18 de abril de 1876.

1879 - É redator da 'Gazeta do Povo', de São Paulo, fundada em 1879, na época em que este jornal pertenceu a Veiga Cabral.

1881 - Funda ', O Entr'Acto', em São Paulo, semanário redigido com Valentim Magalhães. Redator literário do 'Correio Paulistano', de São Paulo, de 1881 a 1886. Manteve neste jornal a secção 'De omnibus rebus';nele publicou muitos folhetins e reportagens

1884 - É nomeado Juiz Municipal em Araras, SP.

1885 - Redator e colaborador do 'Diário Mercantil', de São Paulo,jornal fundado em 1884

1887 - Colabora assiduamente na 'Província de São Paulo', hoje 'O Estado de São Paulo', em 1887 e 1888, publicando contos, folhetins, crônicas, crítica literária e teatral. Correspondente da 'Gazeta de Notícias', do Rio de Janeiro.

1888 - Lente de Retórica do 'Curso Anexo', da Faculdade de Direito de São Paulo, nomeado por concurso.

Homem que brilhou nas artes e no desempenho de sua profissão, em 1890 - É nomeado por Rui Barbosa, Fiscal do Governo no Banco União,cargo que exerceu poucos meses.

1891 - Falece em Caçapava, Estado de São Paulo, em 14 novembro. O seu túmulo no cemitério de Caçapava, é muito visitado,pois é considerado milagroso.

1909 - Ezequiel Freire , é escolhido para Patrono da Cadeira : 20, da Academia Paulista de Letras, na ocasião de sua fundação.Também é patrono da Academia Fluminense de Letras.

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'PARA SER UNIVERSAL BASTA CANTAR SEU QUINTAL'

                                                                           Tolstoi
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Contribuição de
Contribuição de J. E. O. BRUNO <jeobruno@hotmail.com>

J.E.O.BRUNO   SP, 01/11/07
Tel/fax: 11 - 5034-6730

 

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