História 41

Quem tem medo de saci?

Ninguém sabe ao certo quando ele chegou nestas bandas, igual ele não era. Era como ver nosso senhor Jesus Cristo, cabelo comprido, olhar sereno, mas os fatos que se sucede bota desconfiança nessa aparência.

É certo que fazia muito sol, a garrafa parecia para matar a sede, mas o sinal na tampa denunciava mal agouro. Só podia ser coisa ruim. Quem é que por essas bandas anda com garrafa com cruz na rolha? Rolha, sim senhor, garrafa de rolha. E em modo de quem tá com olho no depois, assim com pressa, com passo pequeno, deixa a maldita no balcão pede gentileza e sai deixando a garrafa para trás.

Foi como espinho na carne mal curado, resfriado que ainda não chegou, um incômodo, uma desconfiança que tira o sossego. O assunto correu mais que tatu procurando a cova. Em minutos a vizinhança inteira já tinha passado por lá para ver a tal garrafa que soprava para dentro. As rezadeiras, de pronto souberam do acontecido e de bom grado confirmaram a desconfiança.

Era coisa ruim mesmo. Coisa de gente pactuada e que não era certo ficar com isso perto de crianças. Se ele vinha de outro lugar, porque então não abandonava por lá esses malfeitos? Porque tinha que trazer de acolá? Quem vinha botar reparo acrescentava: as pessoas de lá tudo tem uma garrafa para pegar coisa ruim, mexe com essas coisas... Que vixe não é bom nem de falar.

Outros espiculava: é verdade que o cabelo dele é assim por causa de promessa? Para fustigar arremedavam: só se for mesmo com o coisa ruim. Os mais afoito futricavam: as empregadas da casa nunca pode lavar umas toalha branca que vive estirada por lá.

Como se não bastasse o sopro de dentro toma forma de homem, como que para mostrar que ele tava de butuca na conversa. Foi o que bastou para que logo mais ali ao lado uma legião de santos, rezas e bênçãos fossem invocadas. Era guerra declarada. E não é que a dita assim como veio, foi embora, sem dar a menos sastifação, coisa de gente tinhosa. Sem a menor modéstia as rezadeiras contaram o placar 1 a 0 para nós.
 

Elaine Machado

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